Agostinho introduziu entre os cristãos uma definitiva nódoa de consciência culpada quando faziam sexo ou tinham sentimentos e impulsos prazerosos. Trouxe para dentro dos lares e para os leitos conjugais uma sombra de coisa maligna, de impureza, perversão e vício, que arruinou a vida de incontáveis casais, para quem o sexo passou a ser associado a um "presente do demônio", ou um discordium malum, um princípio de discórdia alojado no interior de cada um desde a Queda. Opôs definitivamente a Carne a Deus!
Talvez uma das maneiras de entender-se essa obsessão dele, de Santo Agostinho, em denunciar a sexualidade deve-se a ele ter sido um renegado do erotismo. Como todo abjurado das suas paixões sensuais pregressas, votou intenso ódio ao que, no passado, o atraiu, lamentando ter desperdiçado nele tanta energia. Ele mesmo não negou ter sido dominado na sua juventude por uma intensa voluptuosidade, pela lasciva, ao ponto de que, em determinado momento, quando pediu a Deus que o fizesse casto, acrescentou... "mas não ainda!"
E foi mais longe ainda. A presença do impulso sexual nos seres humanos era a marca da corrupção da nossa natureza. Tratava-se de uma perversidade intrínseca que, tal uma erva daninha espalhada numa pradaria, jamais poderia ser removida de todo. Santo Agostinho explicava a maldade como resultante desse tumor sensual e dissoluto existente em todos nós, provocador de uma desordem crônica nas nossas relações, que o tempo inteiro nos perturba com suas poluções, com seus sonhos inconvenientes, incestuosos, inconfessáveis. Não havia dieta ou jejum que nos salvasse ou nos libertasse dele, acompanhando-nos até na velhice e no encarquilhamento, como uma cicatriz não sarada do nosso passado libidinoso e pecador.
Foi contra isso que mobilizou-se seu rival, Juliano, bispo de Eclanum que, depois de 418, embrenhou-se numa ruidosa polêmica com ele. Juliano mostrou-se indignado com as acusações de S.Agostinho ao sexo e ao casamento. Não podia conceber, explicou ele, que o ato necessário a nossa reprodução fosse algo demoníaco ou ter que ser praticado sobre o véu da vergonha e do enxovalhamento.
Afinal, eram "impulsos do nosso corpos feitos por Deus". O prazer era necessário à reprodução, era a força que fundia as sementes masculinas e femininas num amplo calor genitalis, útil a que ocorresse uma conjunção saudável e feliz. Nada poderia haver de sinistro numa relação sexual bem realizada e completa. Bem ao contrário, viu-a natural, saudável, como "o instrumento de eleição de qualquer casamento.... merecedor
S. Agostinho em várias cartas da sua imensa correspondência tentou amenizar as objeções de Juliano, procurando mostrar-se menos radical do que nos seus escritos anteriores. Porém, sabe-se que, para a posteridade, foi essa sua visão trágica da existência - de sermos os infelizes portadores perpétuos do pecado capital - (de origem paulina-agostiniana), que irá marcar de uma maneira definitiva o cristianismo. E o sexo ficou, dali para sempre, visto como uma transgressão, como uma obscenidade... quiçá um ardil satânico para atormentar infinitamente a existência humana, até pelo menos o surgimento da psicanálise de Sigmund Freud, no século XX, que aboliu, pelos menos entre as elites ocidentais, com a idéia do pecado.