O especialista em psicologia cognitiva Benny Shanon, da Universidade Hebraica de Jerusalém, afirma que Moisés, considerado o principal profeta da religião judaica, pode ter ingerido uma substância semelhante à ayhuasca, conhecida no Brasil como chá do Daime. A afirmação foi publicada nesta semana em um artigo na revista de filosofia, Time and Mind e causou polêmicaem Israel . A idéia de que Moisés poderia estar sob a influência de "drogas" provocou a indignação de líderes religiosos em Israel e, segundo os críticos, a teoria de Shanon "é uma ofensa ao maior profeta do povo judeu".O rabino Yuval Sherlo disse à Radio Pública de Israel que "a teoria é absurda e nem merece uma resposta séria". De acordo com o rabino, a publicação da teoria de Shanon "põe em dúvida a seriedade tanto da ciência como da mídia". Uma das obras de Benny Shanon, o livro Antipodes of the Mind, que analisa a relação entre substâncias psicotrópicas e a fenomenologia da consciência humana, foi publicado em 2003 pela Oxford University Press, uma das editoras acadêmicas mais renomadas do mundo. Em entrevista à BBC Brasil, Shanon contou que começou a pesquisar a relação entre os efeitos da planta e a criação das grandes religiões, quando ele próprio experimentou o chá do Daime no Brasil. De acordo com o pesquisador, a criação dos Dez Mandamentos poderia ser consequência de uma experiência com substâncias psicotrópicas, que alteram o estado cognitivo do indivíduo, e se encontram em plantas existentes inclusive no deserto do Sinai. Foi no deserto do Sinai que, segundo a tradição, Moisés teria recebido as Tábuas da Lei, consideradas a base da civilização judaico-cristã. "Tudo começou quando estive no Brasil em 1991, a convite da Unicamp, para dar uma palestra sobre linguagem e pensamento", afirma Shanon. "Depois da palestra, viajei pelo Brasil por dois meses e experimentei pela primeira vez o chá do Daime em Rio Branco, no Acre.""Também participei de rituais religiosos e espirituais do Santo Daime, apesar do fato de que não sou adepto de nenhuma religião", acrescenta o pesquisador. "Tinha 42 anos naquela época, e a experiência mudou a minha visão do mundo", afirma. Comecei, então, a pesquisar os efeitos dessa planta sob o aspecto da minha área, a psicologia cognitiva." "Muitas pesquisas já foram feitas sobre os efeitos da planta, mas principalmente na área da antropologia, e não da psicologia", diz Shanon. "Naquela época, os antropólogos geralmente escreviam apenas por meio da observação, mas sem experimentar, eles próprios, a substância", avalia o professor titular da Universidade Hebraica. "Era como escrever um livro sobre música sem ouvir música." Desde 1991, Shanon diz ter visitado o Brasil dezenas de vezes e afirma que já ingeriu o chá do Daime mais de 100 vezes. A substância abriu para mim uma dimensão do sagrado que nunca tinha vivenciado antes, tive visões muito fortes, inclusive de cantar junto com milhares de anjos", descreve o pesquisador israelense. "A experiência foi tão forte que me levou a querer integrá-la no estudo da fenomenologia da consciência humana." "Estudei, então, todos os contextos culturais e religiosos ligados à ingestão da ayhuasca", conta Shanon."Cheguei à conclusão de que, nas religiões mais antigas, como a zoroastra e a hinduísta, também houve rituais ligados à ingestão de substâncias que levam a alterações cognitivas, nos quais os participantes 'viram Deus' ou 'ouviram vozes'." O professor de psicologia cognitiva cita o fenômeno da sinestesia, em que se cria uma relação entre planos sensoriais diferentes e o indivíduo se encontra em um estado neurológico que possibilita que ele "veja sons". ",Na Bíblia há frases como 'o povo viu as vozes', que me chamaram a atenção, pois descrevem exatamente a sinestesia que ocorre com a ingestão da ayhuasca", afirma Shanon. "Encontrei frases semelhantes em textos e cânticos de outras religiões." O pesquisador, que já recebeu críticas negativas de religiosos em Israel, diz que sua tese não constitui um desrespeito à religião, mas sim "uma tentativa de entender momentos tão importantes para toda a humanidade". "Não acredito na visão ontológica, segundo a qual a história de Moisés e os Dez Mandamentos teria sido um evento cósmico extraordinário", afirma. "Mas também não acho que um momento tão importante possa ser considerado como uma simples lenda." "A minha tese, segundo a qual as substâncias ingeridas por Moisés teriam gerado uma abertura cognitiva que possibilitou um contato com o sagrado, pode ser uma explicação razoável e também respeitosa de como a religião judaica nasceu", diz Shanon. "Mas não é qualquer pessoa que ao ingerir a substância é capaz de criar os Dez Mandamentos, é necessário ser um Moisés para isso", acrescenta. "A meu ver, a ayhuasca libera uma criatividade interna, como a arte." E você, o que acha disso?
Fonte: BBC